sépia colorida

sépia colorida
cores de mulher

sábado, 11 de outubro de 2008

Um poeta na presidência

Sobre o casamento dos homossexuais, Manuel Alegre mandou a disciplina partidária às urtigas e votou a favor. O mesmo Manuel Alegre que escreveu " Em Maio de 1963 eu estava na cadeia, isto é, de certo modo, eu estava no meu posto. Como poderia dormir descansado, onde quer que estivesse, sabendo que algures na noite há homens que sofrem, há homens que gritam?" Talvez seja dos poetas, que como diria Manuel da Fonseca "trazem nos olhos as lágrimas dos outros" , que precisamos para elevar a política nacional. Homens assim reconciliam-me com o mundo.

quinta-feira, 31 de julho de 2008

E se...tress?

Vi ontem um documentário perturbador (a vários níveis) na National Geographic: os efeitos do stress. Já se sabe muito sobre o assunto, hoje em dia. Mas uma grande parte da investigação deve-se a um neurocientista americano, cujo nome não retive, e que há 30 anos atrás teve um assomo de génio: estudar o comportamento de uma colónia de babuínos na reserva de Masai Mara. Intuíu ele, na altura, que a hierarquia social é geradora de stress. Em sociedades fortemente hierarquizadas, como a dos babuínos e a humana, os níveis de stress variam na razão inversa da posição social: o macho dominante pressiona os outros machos, que por sua vez, descarregam nas fêmeas e estas nos juvenis. Tudo envolto em grande violência física. Comprovou-o, voltando todos os anos à sua colónia, observando comportamentos, recolhendo amostras de sangue e fezes e autopsiando os animais mortos. Os indivíduos da base da pirâmide social desnvolveram mais arterosclerose e mais cromossomopatias; os seus neurónios têm menos ramificações, os seus hipocampos estão atrofiados e desenvolveram quantidades anormais de gordura no abdómen. Uma equipa de investigadores inglesa chegou exactamente à mesma conclusão a partir do estudo de 24 000 funcionários públicos ingleses, ao longo de 20 anos. Inquietante... Mas a cereja no bolo da minha inquietação vem a seguir: há 10 anos atrás, no início do boom do ecoturismo no Quénia, a dita colónia de babuínos descobriu um modo muito fácil de arranjar alimento: os restos dos turistas. Infelizmente (ou não, quem sabe?) ingeriram carne contaminada com o bacilo da tuberculose. Como o macho dominante se sacia primeiro e, em seguida, por ordem decrescente, os indivíduos de menor posição social, eis o resultado: sobreviveram os zés-ninguém. O comportamento da colónia mudou radicalmente e assim se tem mantido ao longo dos últimos 10 anos: não há violência e partilham-se as refeições; onde dantes havia luta há agora momentos de brincadeira e até ternura. Os machos solitários que procuram entrar para a colónia só são aceites se abandonarem os seus comportamentos belicosos ( o que geralmente acontece ao fim de 6 meses de convivência). E se...

sexta-feira, 18 de julho de 2008

A cultura integral do indivíduo

Senti hoje necessidade de voltar ao contacto de alguém que admiro: Bento de Jesus Caraça. De vez em quando preciso de ler qualquer coisa de um portugês de grande dimensão para poder suportar este pantano de néscios que me engole. E vou deixar aqui registado o que é, segundo B.J.C, um homem culto: «É aquele que: 1.º - Tem consciência da sua posição no cosmos e, em particular na sociedade a que pertence. 2.º - Tem consciência da sua personalidade e da dignidade que é inerente à existência como ser humano. 3.º - Faz do aperfeiçoamento do seu interior a preocupação máxima e fim último da vida».

quarta-feira, 16 de julho de 2008

A mão invisível

Segundo Adam Smith, há uma mão invísivel que zela pelo nosso bem-estar - é a economia de mercado. O séc. XXI está a encarregar-se de mostrar a este filósofo do séc. das luzes e aos seus muito(s) fanático(s) seguidores que estava errado. Basta analisar o estado da economia portuguesa depois do assalto dos neo-liberais ao nosso way of life: - agravamento do fosso entre pobres e ricos (somos agora os piores da Europa a 27, neste capítulo), à semelhança do que aconteceu na América Latina sob a batuta dos EUA e das suas multinacionais; - aumento do endividamento externo, em grande parte devido à especulação financeira e à nossa quase total dependência energética; - endividamento extremo das famílias, a quem a banca prometeu o Eldorado a preço de saldo,e que só queriam comprar uma habitação decente que agora não conseguem pagar. As análises do Banco de Portugal, divulgadas ontem, reveêm tudo em baixa, excepto o desemprego e a inflação. E advertem que o pior ainda está para vir: - a Espanha vai entrar em recessão, arrastando-nos consigo, devido à elevada dependência da nossa economia relativamente à espanhola; - o preço do petróleo vai continuar a aumentar; - ainda não se fez sentir todo o impacto da crise do sub-prime, outra cagada americana. Gaiiita! Ah, e para cúmulo, o sr. governador do Banco de Portugal adverte para a necessidade do país optar pela via nuclear para diminuir a nossa dependência energética do exterior. Isto no país da Europa com a maior taxa de incidência de radiação solar e com investigação de ponta em geração fotovoltaica! E agora, senhoras e senhores, a prova que estão todos LOUCOS: o presidente do BPI aconselha o governo SOCIALISTA a tributar as mais valias em Bolsa e a criar um novo escalão de IRS para rendimentos anuais superiores a 200 000 euros/ano, à semelhança do que o PCP e o BE andam há anos a reclamar. E o Presidente Cavaco pede que " se deixe funcionar o MERCADO!" Está a fazer anos que os bolcheviques assassinaram os Romanov...

sexta-feira, 4 de julho de 2008

O feminismo está a passar por aqui

Há quem ache démodé, yesterday's news. Que nem vale a pena falar dele. Que já não se justifica.
É evidente que quem tal sente, ou é um homem mal intencionado ou uma mulher distraída -
não vou usar outros epítetos, porque hoje amanheci cheia de esperança: terminou na Gulbenkian o Congresso Feminista 2008, que envolveu cerca de 500 participantes, na sua maioria jovens de ambos os sexos, com idade inferior a 30 anos.
Quero, hoje, prestar a minha homenagem às minhas irmãs de género e, para isso, nada melhor que as palavras de Sophia:

Catarina Eufémia

O primeiro tema da reflexão grega é a justiça
E eu penso nesse instante em que ficaste exposta
Estavas grávida porém não recuaste
Porque a tua lição é esta: fazer frente

Pois não deste homem por ti

E não ficaste em casa a cozinhar intriga

Segundo o antiquíssimo método oblíquo das mulheres

Nem usaste de manobra ou de calúnia
E não serviste apenas para chorar os mortos

Tinha chegado o tempo

Em que era preciso que alguém não recuasse
E a terra bebeu um sangue duas vezes puro

Porque eras a mulher e não somente a fêmea

Eras a inocência frontal que não recua
Antígona poisou a sua mão sobre o teu ombro no instante em que morreste
E a busca da jutiça contínua

sábado, 28 de junho de 2008

«A luta é a minha vida.»

A frase é de Rolihlahla Mandela. O mundo conhece-o por Nelson porque, segundo parece, a sua professora primária achava Rolihlahla pouco europeu. Tristemente risível.
Completará 90 anos a 18 de Julho mas os festejos já começaram, um pouco por todo o lado, onde se pode celebrar livremente a luta pelos direitos humanos.
Por ter incentivado a luta armada no combate ao apartheid, na sequência de massacres levados a cabo pela minoria branca que governava a África do Sul, Mandela passou 27 anos preso. Numa mensagem de parabéns a actriz Susan Saradon disse-lhe: " O senhor fez deste mundo um lugar melhor e eu estou-lhe grata por isso." Seria um lugar-comum se não fosse verdade. De quantos estadistas se puderá dizer o mesmo?
Fazendo jus à frase do título, Mandela canaliza agora as energias que lhe restam para a luta contra o HIV.
Que honra partilhar o tempo com um Homem assim!

sábado, 21 de junho de 2008

Solstício

Há cerca de 2050 anos, Erastótenes aproveitou o solísticio de verão, que também ocorre hoje, para determinar o raio da Terra. Chegou ao valor 39000 km e as rigorosíssimas medições actuais apontam para 40000km. Duas perplexidades: - como é que existe um cérebro humano suficientemente dotado para conceber tal processo de medida; - como é que existe um cérebro que, apenas suspeitando que a Terra é redonda, consegue tal exactidão recorrendo apenas à sombra de dois pauzitos? E é-me impossível deixar de pensar que a espécie que é capaz de tais feitos é a mesma que tortura, oprime e condena à morte o seu semelhante. Imediatamente antes de ser fuzilado, Paul Éluard gritou: " Je vais tout à l'heure préparer des lendemains qui chantent". Onde estão eles, poeta?

terça-feira, 17 de junho de 2008

A chacun son gôut

Saramago deu no passado sábado, 14 de Junho, uma entrevista à televisão pública nacional (canal 2). O tal canal que quiseram exterminar por não ser rentável. Decerto este facto não foi alheio à escolha do escritor para quebrar o longo silêncio a que se impôs, relativamente à televisão portuguesa.
Apaziguado (mágoas esquecidas?), depois duma intermitência com a sua própria morte, foi bom ouvi-lo de novo.
Um parêntesis para referir que não tenho apego a bandeiras ou nacionalismos de qualquer proveniência, nunca me senti pertença de clubes, partidos, associações recreativas, mas quando Saramago recebeu o Nobel senti, pela 1ª vez na vida, orgulho de ser portuguesa. Sensação estranha que me apanhou desprevenida, just like falling in love for the first time.
Lúcido e corajoso como sempre, como no grandiloquente discurso que proferiu na cerimónia de entrega do prémio, falou do acordo ortográfico, das suas últimas obras, da sua recente doença. Pilar ausente, sempre omnipresente.
A primeira obra de ficção proíbida no Portugal Democrático foi o seu Evangelho segundo Jesus Cristo. Por um asnóide chamado Sousa Lara, alguém se lembra dele?
Saramago comprou casa em Lanzarote e passou a ser um ibérico escritor galardoado; Sousa Lara comprou uma gigantesca cruz de néon para o quintal da sua casa de campo e passou a ser arguido no caso da Universidade Moderna.
Eu, nunca mais senti o tal orgulho...

sábado, 14 de junho de 2008

Mágoa revisitada

Se fosse vivo, Fernando Pessoa faria 120 anos por estes dias, pobre homem! Quanto a mim, encontrei a minha prima Margarida na frutaria (há metafísica bastante em não pensar em nada).
A Margarida, que eu não via quase há 2 meses, surpreendeu-me com esta: aos 41 anos, mãe do Pedro e da Cecília, está grávida de 10 semanas.
A Margarida é uma prima quase irmã, infâncias comuns na patriarcal casa dos nossos avós maternos, adolescências à descoberta simultânea de tudo o que é proíbido.
E é ao pensar no percurso de vida dela, que eu partilhei durante muito tempo, que me vem à cabeça o esquisóide do Pessoa: Ó céu azul -o mesmo da minha infância Eterna verdade vazia e perfeita! Ó macio Tejo ancestral e mudo, Pequena verdade onde o céu se reflecte!
A Margarida de todas as dependências (Estou hoje dividido entre a lealdade que devo /À Tabacaria do outro lado da rua, como coisa real por fora, / E à sensação de que tudo é sonho, como coisa real por dentro), da heroína à metadona passando pelo Prozac e, muito recentemente pelos comprimidos para emagrecer (Vão para o diabo sem mim, / Ou deixem-me ir sozinho para o diabo! /Para que havemos de ir juntos?), das depressões pós parto (Estou hoje vencido, como se soubesse a verdade. / Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer, / E não tivesse mais irmandade com as coisas / Senão uma despedida), que casou com um quase analfabeto que a ama desde sempre (Se eu casasse com a filha da minha lavadeira / Talvez fosse feliz.) está de novo grávida, cheia de enjôos e feliz (Queriam-me casado, fútil, quotidiano e tributável?).
Prima, fica-me com os miúdos esta tarde, preciso tanto de estar sózinha, ( Não me peguem no braço! /Não gosto que me peguem no braço. / Quero ser sozinho. / Já disse que sou sozinho!) .
O Pedro e a Cecília, estão cá em casa, em grande algazarra, a brincar às escondidas com as minhas filhas.
(Deixem-me em paz! / Não tardo, que eu nunca tardo... / E enquanto tarda o Abismo e o Silêncio quero estar sozinho! //)

sexta-feira, 13 de junho de 2008

Invasão

Quando tinha 13 anos ouvi o actor Sinde Filipe dizer este poema. Ainda hoje é a voz dele que eu oiço ao lê-lo. Achei tudo tão bonito - o poema, a voz, o homem - que durante algum tempo não sosseguei até achar o autor e copiar o poema para um caderno, onde hoje o encontrei. Na altura devo ter achado que nunca esqueceria o nome do poeta mas, como sempre a vida trocou-me as voltas. Será Jorge de Sena? Na página do caderno, por baixo do poema, apenas a data da transcrição: 23 de maio de 1977. Sinde Filipe, cansado de muito beber e pouco comer, dedicou a sua outrora bela voz às telenovelas. Quanto ao poema, mais actual que nunca: (voz de Sinde Filipe)

Á porta está o anjo Mecânico/ com a espada da devastação. / É um anjo frio,/ que não baixou do céu/ deitdo num relâmpago / com asas de apoteose. //

Nem desceu da lua / agarrado aos cabelos/ da deusa do sol oculto.//

O Homem desta vez / nâo ergueu os braços / para o fabricar nas estrelas.// Fê-lo aqui na terra / com o iodo das minas/ onde só há astros no suor do carvão.// Forjou-o com os ossos / deste mundo metálico / onde se combate por todo o universo.// Criou-o à nossa imagem / com músculos frios / e sangue de petróleo.//

Vejam! / É um anjo de aço/ gelado pelo fogo de milhões de almas / está ali de pé, implacável, à espera / com o fumo das fábricas nos olhos / e um motor no coração / a pulsar pelos homens //

Vejam!/ Está ali de pé, imóvel, à espera,/ num frio de complicação de milhares de roldanas....// Vejam! // (... mas nos seus cabelos de arame farpado/ prenderam-se estrelas.) //